O QUE VALE MAIS, A ARTE OU O ARTISTA?

André Rousselet Sardá

O mercado da arte sempre esteve dividido entre duas forças aparentemente opostas: a valorização intrínseca da obra e a idolatria ao artista que a criou. Se hoje o branding pessoal é uma estratégia amplamente utilizada por artistas para conquistar mercado e reconhecimento, nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a arte era anônima, coletiva e funcional: pouco importava quem havia criado a peça, mas sim a função que ela cumpria.

Como ocorreu essa transição histórica, da arte como bem essencialmente coletivo à exaltação do indivíduo por trás da obra? Podemos começar a compreender esse movimento a partir do século XIX, com um nome que mudou radicalmente a forma de comercializar e promover a arte: Gustave Courbet.

Courbet não apenas revolucionou a pintura realista; ele transformou a relação entre artista e mercado. Em 1855, inconformado com as academias tradicionais, montou sua própria exposição, o Pavillon du Réalisme, cobrando ingresso diretamente do público. Esse gesto ousado evidenciou sua percepção sobre a importância do protagonismo público, posicionando-se não apenas como artista, mas como personagem central de sua própria narrativa. Courbet vendia não apenas quadros, mas a imagem do artista independente, provocador e rebelde, possivelmente dando origem ao arquétipo moderno do artista incompreendido.

No entanto, a ideia do artista como marca antecede Courbet. Desde o Renascimento, artistas passaram a emergir como indivíduos reconhecidos, distanciando-se da arte anônima e funcional do passado. Leonardo da Vinci foi um precursor, ao posicionar-se como um gênio multifacetado que combinava arte, ciência e engenharia, consolidando-se como ícone do talento humano. Michelangelo, por sua vez, ao esculpir seu nome na faixa que atravessa a Virgem Maria na Pietà, criou uma assinatura estratégica que lhe garantiu autoria e reconhecimento ao longo dos séculos.

A invenção da imprensa por Gutenberg, em 1440, também contribuiu para a disseminação de biografias e tratados artísticos, ampliando a fama dos artistas para além de suas cidades e patronos.

No Barroco, essa tendência se intensificou. Rembrandt explorou sua própria imagem por meio de numerosos autorretratos, consolidando seu nome e rosto como ativos simbólicos. Caravaggio, em outra direção, construiu intencionalmente uma persona polêmica e transgressora, agregando mistério e valor à sua figura, tão dramática quanto a iluminação de suas obras.

Já no século XX, artistas como Picasso e Dalí elevaram o branding pessoal a um novo patamar. Picasso transformou sua assinatura em logotipo e sinônimo de ruptura e modernidade. Dalí cultivou uma imagem excêntrica e performática, usando sua figura pública como extensão e amplificação de suas obras surreais.

A personalidade intensa ou controversa também agregou valor a artistas como Van Gogh, Pollock e, mais recentemente, Banksy. Este último leva ao extremo o conceito de branding por meio do anonimato calculado, o mistério como estratégia comercial eficaz.

Andy Warhol subverteu completamente a noção tradicional de genialidade ao industrializar sua produção artística. Tornou-se ele mesmo uma marca, consolidando o artista-celebridade como ícone da cultura pop. Warhol não apenas criava arte: ele era arte.

Hoje, nomes como Damien Hirst e Jeff Koons vendem mais do que objetos: vendem conceitos, narrativas e identidades cuidadosamente planejadas, em que o nome do artista por vezes supera o valor técnico ou estético das próprias obras.

A passagem da arte anônima à valorização da autoria reflete transformações culturais profundas. Na Antiguidade e na Idade Média, artistas eram considerados artesãos a serviço de fins religiosos ou políticos. O Renascimento, com seu Humanismo, trouxe à tona o valor da individualidade criativa, abrindo espaço para o surgimento da figura do artista-autor.

O mecenato, especialmente de famílias como os Medici, elevou os artistas à condição de intelectuais. Assinaturas tornaram-se comuns, marcando autoria e garantindo reconhecimento.

Durante o Iluminismo, o artista foi elevado à condição de intérprete da realidade e visionário de novos mundos. No Romantismo, consolidou-se o imaginário do artista-gênio incompreendido, sensível, quase profético.

No século XX, o artista tornou-se ícone da cultura de massa, amplificado pelas mídias. Hoje, na era digital, a genialidade artística está diretamente ligada à capacidade de gerar a própria imagem. Com as redes sociais, o branding pessoal tornou-se essencial, permitindo ao artista alcançar audiências globais de forma autônoma. O sonho de Courbet realizado.

Diante dessa trajetória histórica, a pergunta permanece: o que vale mais, a arte ou o artista? A resposta parece estar na fusão entre ambos. O artista contemporâneo não vende apenas uma obra física, mas uma visão, uma narrativa, uma personalidade. A arte tornou-se o meio pelo qual essa narrativa é contada e perpetuada. No mercado atual, criador e criação formam um valor simbólico contínuo e inseparável. Arte e artista são hoje dois lados da mesma moeda: um fenômeno simultaneamente cultural, simbólico e econômico. Seja pelo anonimato estratégico de Banksy ou pela autopromoção calculada de Warhol, a arte tornou-se um jogo de identidades, onde o nome por trás da obra pode ser tão poderoso quanto a obra .

O artista como marca, portanto, não é uma invenção recente, mas o resultado de séculos de transformações sociais. Do artesão medieval ao influencer contemporâneo, a identidade pessoal se consolidou como ferramenta estratégica. O que vale mais então: a arte ou o artista? Talvez, na complexidade do mercado moderno, ambos sejam inseparáveis.

André Rousselet Sardá (@andre_rousselet_sarda) é formado em Publicidade e Propaganda e Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com MBA em Administração. É o Creative Strategist da BDS – Breathe Design & Strategy.

André Rousselet Sardá, Art for Sale. (2024)