THE VISUAL VANDALIST: ENTRE PINCELADAS SAGRADAS E RUÍDO MODERNO.
André Rousselet Sardá
Em um mundo saturado de imagens, onde cada gesto visual é replicado até a exaustão, o Visual Vandalist emerge como um subversivo gráfico. Sua obra não busca restaurar a beleza clássica, mas contaminá-la. Seu vandalismo não é destruição gratuita, mas crítica à neutralidade estética e à assepsia da imagem contemporânea.
Ele se apresenta como herdeiro sujo do barroco. Sua arte não é reverência, mas embate: conserva o chiaroscuro, mas substitui a transcendência pela decomposição; adota o retrato clássico, mas o atravessa com glitch, estêncil e tipografia industrial. Se Caravaggio trouxe a rua para dentro da Igreja, o Vandalist traz a street art para dentro do altar. Sua prática se constitui como um enfrentamento: não ataca a arte, mas seus simulacros esvaziados, restituindo às imagens a dimensão do incômodo. É um artista que se coloca deliberadamente entre dois polos aparentemente inconciliáveis: a herança do barroco e o excesso imagético da era digital. Sua obra se inscreve numa genealogia crítica de vandalismo estético, não como destruição gratuita, mas como método de reinscrição simbólica — uma tentativa de devolver significados ao mundo saturado de simulacros.
No plano filosófico ele trabalha sobre a ideia de que a imagem não é apenas superfície, mas corpo: suor, falha, ruído, memória. Ao contrário da tradição contemplativa da arte como espaço de harmonia, ele segue a linha dos iconoclastas históricos, mas desloca seu olhar para o contexto contemporâneo, em que o excesso de representação exige não o apagamento, mas a sabotagem. A destruição, nesse caso, é um ato epistemológico: um modo de restituir dúvida, atrito e desconforto a imagens que, de tanto circularem, perderam sua potência de presença. Assim, o perfil artístico do Visual Vandalist pode ser lido como um manifesto contra a assepsia da imagem contemporânea. Ao acolher barroco e ruído urbano, ao interagir com inteligência artificial e “bad prints”, ele reabre o campo simbólico da arte não como contemplação, mas como espaço de discussão. Sua obra se aproxima mais de um campo de ruínas e resíduos do que de uma tradição de pureza, e justamente por isso encontra sua força: onde há cheiro, ainda há presença; onde há erosão, ainda há memória.
O elemento decisivo do Vandalist é a integração da tecnologia em seus processos criativos. A máquina, em sua lógica de reprodução infinita e padronizada, é apropriada como ferramenta de vandalismo: não para higienizar imagens, mas para contaminá-las. A Inteligência Artificial serve como dispositivo paradoxal, simultaneamente produtor de simulacros e cúmplice do gesto iconoclasta. A filosofia subjacente está na tensão entre memória humana (imperfeita, seletiva, afetiva) e memória algorítmica (mecânica, infinita, desprovida de corpo). O artista explora essa dicotomia: mulheres modernas em ambiente barroco, recriadas pela máquina, não surgem como musas, mas como corpos marcados pela manipulação, ícones atravessados por camadas de código, sujeira e ruído. Ele conserva o pathos da luz e da carne, mas substitui o milagre pelo glitch, a elevação pela decadência.
Se a tradição da estética ocidental buscou purificar a beleza, o Vandalist a contamina. Ao integrar a inteligência artificial em suas recriações de mulheres barrocas, ele não apenas atualiza a tradição, mas a expõe ao dilema contemporâneo: como preservar o corpo na era em que as imagens são infinitamente replicáveis e manipuláveis? Sua resposta é filosófica e estética ao mesmo tempo: vandalizar não é negar a imagem, mas garantir que ela não se dissolva em neutralidade. As mulheres por ele recriadas não surgem como musas perfeitas, mas como corpos contaminados: placas de advertência, zonas interditadas, ícones atravessados por código. A carne digitalizada não é redentora, mas tatuada. Ele não pinta mártires, mas corpos usados; não revela a graça, mas o cansaço.
O trabalho do Visual Vandalist pode ser compreendido à luz da semiótica como um processo de conversão do banal em signo artístico. Toda imagem, por si só, é apenas uma superfície sem transcendência. É quando o gesto artístico a desloca, vandalizando-a, que ela se torna signo, isto é, que passa a remeter a algo além de si mesma. Essa dinâmica semiótica é essencial: mostra que o sagrado não está na substância, mas no processo de significação. No barroco, o sagrado nascia da teatralidade da luz e da carne; na publicidade, da sedução repetitiva dos ícones; no Vandalist, a sujeira que interrompe a naturalização do signo. É neste contexto que a publicidade, a cultura pop e os mitos corporativos, que carregam significados cristalizados pela repetição, são deslocados por ele: arrancando a imagem de seu circuito automatizado e inserindo ruído, sobreposição, falha. Nesse momento, o que era consumo fútil se torna signo crítico.
Assim, o sagrado, entendido aqui como a dimensão simbólica que transcende a pincelada, não é um ponto de partida, mas de chegada. O ícone devocional barroco, o retrato clássico, a marca corporativa: todos só se tornam significativos quando atravessados pela operação estética.
O vandalismo é a agressão que devolve às imagens sua textura, transformando o vazio em mito, o ordinário em símbolo. Portanto, no gesto vandálico, o sagrado não é negado — é reconstruído. Surge no instante em que o banal, esvaziado pelo excesso, é forçado a falar novamente como signo.
No barroco, essa transfiguração era evidente: uma tela não era apenas óleo sobre tela, mas a presença de um milagre. O ordinário (um corpo sujo, um gesto cotidiano, uma vela acesa) tornava-se signo do sagrado. A lógica publicitária contemporânea repete, em escala secularizada, essa operação. Um refrigerante, um tênis ou uma estrela pop não são apresentados como objetos funcionais, mas como promessas de plenitude, desejo e identidade. A publicidade transforma o banal em signo absoluto, revestindo o cotidiano com aura sagrada. Roland Barthes já apontava essa operação mítica: o mito é uma segunda ordem de significação; aquilo que parece natural é, na verdade, construção ideológica.
O Vandalist sabota estes mitos visuais, da publicidade à arte devocional, desmontando-os em ruínas que revelam sua vacuidade. Essa sabotagem não anula a dimensão simbólica; ao contrário, a reinservce. O vandalismo não destrói o signo, mas o significa de novo. Se a publicidade cria sagrado como simulacro, o Vandalist devolve o simulacro ao campo da dúvida, onde a imagem volta a significar de forma crítica. E, dessa forma, o artista revela que o sagrado não é dado, mas construído. O Barroco elevava o profano ao altar, o Vandalist devolve o ícone ao ruído, abrindo espaço para um novo tipo de transcendência: não mais a promessa de redenção, mas a experiência crítica do imperfeito.
Toda essa narrativa é estruturada em três regimes estéticos, separados a fim de ordenar as diferentes abordagens simbólicas e identificados como:
Barroched: estética que combina o gesto teatral barroco ao ruído urbano. A luz dramática do chiaroscuro é contaminada por LEDs e manchas digitais. O altar torna-se muro; o sagrado, poluição visual
127: estética do instante-limite. O número representa o limiar entre o branco e o preto nas artes gráficas, entre o silêncio cúmplice e o grito; cada obra é ultimato, estêncil, punk rock, o cinza se dissolve e o contraste explode.
Iconoclash: iconoclastia pop, responsável por desmontar as mitologias corporativas e publicitárias. A imagem publicitária, outrora mito moderno, é transformada em ruína semiótica.
Essas três estéticas constituem um programa crítico: transformar imagens já saturadas em superfícies refratárias, retirando-as da passividade para devolvê-las ao campo simbólico.
As obras do Visual Vandalist são acompanhadas de ensaios poéticos como “The Flesh Behind the Screen” e “The Last Witness of the Image”, e devem ser compreendidos como parte integrante de sua obra visual. Neles, a linguagem é tratada não como explicação, mas como extensão estética. Ao afirmar que a tela “tem cheiro de suor, gosto de silêncio espesso e textura de pele que treme”, o Vandalist converte a descrição em corpo. A palavra funciona como vandalismo textual: um ruído que impede a leitura neutra da imagem, obrigando o espectador-leitor a experimentar o excesso sensorial. Esses textos cumprem papel semelhante ao das imagens vandalizadas: deslocam o signo, interrompem a linearidade, reabrem o espaço simbólico. Sua escrita é fragmentária, híbrida, situada entre manifesto e poesia — um gesto de linguagem que continua o vandalismo estético pela via do discurso.
A filosofia que sustenta essa obra é clara: vandalizar é criar. O sagrado não está dado na imagem, mas emerge quando o ordinário é forçado a falar como signo. Ao unir pintura clássica, inteligência artificial, ruído gráfico e poesia-manifesto, o Vandalist devolve à arte sua dimensão de confronto. Uma arte que não pede contemplação, mas exige atenção. No fim, sua arte mostra que o sagrado não está no ícone em si, mas no momento em que o mundano é forçado a significar. O vandalismo, assim, não é destruição, é criação de signos.
André Rousselet Sardá (@andre_rousselet_sarda) é formado em Publicidade e Propaganda e Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com MBA em Administração. É o Creative Strategist da BDS – Breathe Design & Strategy.
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